O JEITO QUE VOCÊ AMOU 5 ANOS ATRÁS NÃO EXISTE MAIS!

A ideia
do homem ampliado, do ser híbrido, não é nova. A filósofa, bióloga e feminista
americana Donna Haraway criou em 1985 o Manifesto Ciborgue, que, simplificando,
mostra a bagunça entre as fronteiras, que eram tão bem definidas no passado.
Orgânico e inorgânico estão juntos, bicho e gente idem, o instinto livre e o
controle dele se entrelaçam. Com o Ciborgue, metáfora retirada da ficção
científica, Haraway questiona sobretudo a identidade de gênero. E está certa: o
que são um homem e uma mulher, senão um modelo ensinado pela tradição?
Santaella, com 40 livros publicados, clareia o conceito dizendo que
“reivindicar a existência de corpos pós-humanos significa deslocar, tirar do
lugar as velhas identidades e orientações hierárquicas, patriarcais, centradas
em valores masculinos”. Ótimo! Isso quer dizer que o nosso pós-corpo quer amar
mais, de um jeito fluido, com o tato, o paladar, o olfato, a visão e a audição
tonificados e multiplicados. Ainda gostamos muito de abraçar, beijar, passar a
língua, sugar, mas os sentidos deixam de ser cinco. Na interação em rede eles
sobem para sete, oito, dez – depende de cada um. Podem-se exercitar intuição,
teletransporte, telepresença, telepatia, pressentimento... Todos permeados pelo
desejo. Se trocamos com os outros e outras na biosfera maquínica é,
exclusivamente, porque queremos.
VALORES PÓS-TUDO
Ainda
estamos aprendendo a conviver nesse universo recente, onde os valores se
recodificam. Alguns deles:
Privacidade. Continua a existir, mas vem
com um dosador. Decidimos quanto dar de intimidade, para quem e até que ponto
revelamos os episódios protagonizados, os que fragilizam ou inflam o nosso ego.
Freud, se vivesse na efervescência atual, aprofundaria seus estudos sobre o
narcisismo.
Fidelidade. Ganha elasticidade. Se declaro
amor a vários outros ao mesmo tempo, não estou sendo, necessariamente, desleal
e sem constância nas afeições. Há muitos tipos de amor erótico. Do mais
próximo, queremos certa exclusividade (ok!), mas ela não se traduz em propriedade
ou domínio. O afeto pode, sim, ser fugaz. Meu coração está posto completamente
naquilo que me arrebata agora. Quanto tempo vai durar só o próximo estímulo me
dirá.
Transparência. Conto? Não conto. As
experiências muito particulares, mesmo as que envolvem volúpia corpórea, hoje
em dia são etéreas. Logo, para que fazer sofrer seu parceiro mais palpável?
Compromisso. Esse, então, precisa
repaginação urgente. O que é? É obrigação? Promessa? Dívida? Cartório? Jura? No
amor, ele passou a ter a ambivalência que Santaella identifica na web: é
mutante. Talvez tenha dois pesos e até mais medidas. Então, para mim, vale o
homem que vem por escolha e segue junto até as profundezas do escuro, ermo ou
deserto sem necessitar de um juiz quando chega a hora de partilhar as
quinquilharias materiais.
O GRANDE AMOR
Zilhões
de coisas se transmutam, mas os mistérios humanos, os enigmas da paixão e os
sentimentos (com seus sintomas) permanecem idênticos, embora com gradações. A
cantora Elza Soares, mulher à frente de seu tempo, declarou a CLAUDIA em 2009
que amou o craque Garrincha acima de tudo e com intensidade e oscilação
rodriguianas. E fez cada homem conquistado, depois, se sentir o amor
maior. O desafio é experimentar o grande
amor toda vez que estiver amando. O maldito é que o romantismo ainda
fere com flecha a alma feminina. “Está posto desde o início, ao menos para uma
mulher: você vai borrar o rímel”, escreve a psicanalista paulista Déborah de
Paula Souza, no prefácio de Um Livro de Amor, de Cristiane Mesquita e Rosane
Preciosa. “Os amores que não podem mais ser amados continuam vivos em algum
lugar. Tem hora que, se o amor não morre, dá vontade de matar. Esse é o
escândalo”, diz. “Enterrem meu coração no aplicativo do celular. iPhoda.”
Perfeito, Déborah! Só discordo de matar. Se foi bom, deixa vivo na lembrança,
pode-se amar a memória, e isso não impede a paixão por alguém que acabou de
chegar. O jornalista Xico Sá tem uma singela explicação: “O amor é para gastar.
Para que economizar, pôr na poupança? É para viver!”
Complica
quando aquele ser do passado perturba a(s) sua(s) nova(s) conquista(s) do
presente. Não deixa você usufruir. Aí, é preciso cantar: “O pra sempre sempre
acaba”. Então, mate! Para exterminar o amor temos a licença do polonês Zygmunt
Bauman, para quem nada é para durar. Desde 2000, quando lançou o livro
Modernidade Líquida, esse sociólogo usa a similaridade com a água para traduzir
a sociedade. Água não tem forma, escapa, escorrega, transborda, não se molda,
transpõe obstáculos e fura pedra dura – trata-se de uma rebelde, enfim.
No
discurso de Bauman, traz angústia enxergar “um mundo repleto de sinais
confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível”. Por isso, ele
acha frágeis os laços humanos. Será? Tenho dúvidas. Nosso caráter se adapta e
nos protege. Dessas frases boas da internet, cabe esta: “Em tempos líquidos, é
difícil ser sólido”. Eu acrescento: e sóbrio também. Talvez por pânico, tantos
têm lido os quatro livros de Bauman publicados depois: Amor Líquido, Tempos
Líquidos, Vida Líquida e Medo Líquido. Se conforta, noto que a velocidade –
constante no mundo digital (que antagônico!) – tem vários lados. Deleta-se o
cara que não deu certo. Vapt, e já foi embora o bruto, o chato, o excêntrico do
app que aproxima pessoas. Não quero, não deixo que insistam inbox. Desidrato o
líquido.
VENENINHOS REVISITADOS
O ciúme não acabou, anda forte no game. É
o tiozinho, o lado miserável do amor (o conceito desgasta, mas ele não cai) e,
às vezes, o perverso lobo-cordeiro da pornografia de revanche. A dúvida
feminina, igualmente, persiste: “Por que ele não me responde, some, não posta,
não tuíta?” O desamparo, descrito por Freud, não se resolveu no pós-humano. Tem
ainda a solidão, por mais conexões que se mantenha. Para esse caso, a poesia
ainda é o antídoto. Voltando ao chavão: você não é mais a mesma. Então, brinque
com suas personas. Acabou a identidade unitária, podemos ser belas (se não
somos tanto), felizes por instantes, livres, deprê, de açúcar. A imagem quem
constrói é a autora. Já ia esquecendo destes avanços: terminar a relação por
WhatsApp sem justificar e contar com o admirável crescimento da probabilidade
de viver incontáveis finais felizes. Fonte:revistaSaúde
O JEITO QUE VOCÊ AMOU 5 ANOS ATRÁS NÃO EXISTE MAIS!
Reviewed by Jorge Schalgter Leal
on
16:58
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