FRACASSO NA ALFABETIZACAO É CULPA DA ESCOLA E NÃO DO ALUNO, DIZ PESQUISADOR
Ao menos um a cada
cinco estudantes no 3o ano do ensino fundamental da escola pública não
atinge níveis mínimos de alfabetização em leitura, escrita e matemática,
segundo dados do MEC (Ministério da Educação). Para o fonoaudiólogo e doutor em
educação Jaime Luiz Zorzi, este cenário só reforça o que há anos o Brasil
presencia: crianças passando de ano sem terem sido alfabetizadas e a escola
utilizando metodologias que não mudam em nada essa realidade.
"Há uma
dificuldade enorme em alfabetizar e isso é sentido pelos índices [que avaliam o
ensino no país]. Boa parte das crianças está no 3º ano [do ensino fundamental]
e estão com péssimo desempenho na leitura e na escrita", diz Zorzi, que
também é mestre em distúrbios da comunicação.
Para o professor, a
responsabilidade pela eficácia no processo é da escola, ao adotar metodologias
funcionais, e do professor, que deve ter autonomia e consciência para conduzir
o processo de aprendizado do estudante dentro da didática construtivista (modelo
em que o aluno constrói por si só o conhecimento ao invés de receber o conteúdo
de forma passiva).
"Muitos acreditam
que fracasso escolar significa alunos com dificuldades para aprender e que não
conseguem acompanhar os programas escolares. Porém, fica cada vez mais claro
que o fracasso escolar deve ser entendido, acima de tudo, como a grande dificuldade
que a escola tem para ensinar", resume o especialista em seu estudo sobre
alfabetização com crianças em escolas públicas de São Paulo.
Confira a seguir a
entrevista completa com o professor Zurzi.
UOL Educação: Qual é a diferença entre alfabetização e
letramento?
Jaime Zurzi:
Letramento é criar uma
condição de experiência muito ativa para o aprendiz, mesmo que ele não esteja
alfabetizado. O processo de letramento possibilita que crianças e adultos
tenham contato com textos, histórias, contos, jornais, quadrinhos e saibam identificar
a função de cada um. Ou seja, ajuda o indivíduo a reconhecer que um desenho é
um desenho, que uma letra é uma letra. Serve para identificar que dentro
daquelas palavras existem um contexto, um significado, uma função. Todos
os dias estamos sendo letrados.
Já a alfabetização, ao
contrário de ser letrado, é um conjunto de habilidades que, uma vez atingidas,
o cidadão passa a saber ler e a escrever. A alfabetização permite
interpretar textos, frases.
No letramento, se uma
criança abre um livro, ela tenta "ler" pelas ilustrações. Na
alfabetização, a verdadeira leitura é transformar uma palavra escrita em uma
oralidade, letras em sons, sons unidos em forma de palavras faladas.
UOL Educação: E qual é mais "importante" nos
dias de hoje?
Jaime Zorzi: Os dois. A alfabetização e o
letramento andam juntos. Não haverá letramento se não houver alfabetização.
Eles são complementares. À medida que a criança consegue ler e escrever ela
pode desenvolver sem limites.
UOL Educação: O Brasil dá pouco valor à alfabetização?
Jaime Zorzi: Não sei se dá pouco valor a
alfabetização, mas talvez o Brasil não tenha uma clareza real de sua
importância. A alfabetização é um dos maiores problemas da educação aqui. Boa
parte das crianças não está conseguindo ser alfabetizada. Estamos com uma dificuldade
para alfabetizar muito grande. O modelo precisa ser repensado.
UOL Educação: Em sua opinião, que medidas simples
poderiam ser tomadas para melhorar o processo de alfabetização e letramento dos
alunos?
Jaime Zorzi: Na prática, devemos primeiro
admitir que estamos alfabetizando muito mal. Estamos usando certas metodologias
para propor a educação das crianças e isso não está funcionando. Então temos
que pensar em outras alternativas e colocar em prática.
No Brasil, vemos muita
discussão sobre metodologias globais, fônicas, significados, mas não se
discutem as competências individuais do estudante. Métodos eficientes para
alfabetizar os alunos nós já conhecemos. O que precisa ser feito é reavaliar os
adotados e experimentar outros já comprovados cientificamente. Não podemos ter
medo de experimentar.
Outra coisa é dar
autonomia para os professores decidirem qual modelo usar e definir competências
fundamentais que estão sendo deixadas de lado.
É preciso incentivar
muito a escrita e a leitura. Tem que mergulhar na produção de texto e leitura.
Quando está no processo de alfabetização, o indivíduo sai escrevendo da forma
dele, mas começa a se sentir capaz de escrever, mesmo que não seja com toda a
propriedade.
UOL Educação: De quem é a responsabilidade pelos
problemas na alfabetização no Brasil?
Jaime Zorzi: Existe uma tendência
brasileira de achar que a criança vai aprender por conta própria [didática do
construtivismo]. Que ela vai chegar sozinha à conclusão da estrutura das
palavras, que as letrinhas viram sons e que os sons juntos foram uma palavra,
uma frase. Mas é papel do professor dirigir o conhecimento do aluno. A escola
tem que assumir o papel e não ficar justificando o fracasso. Temos uma
deficiência no ensino e não na população.
A escola precisa
refletir sobre quais competências estão envolvidas no processo de aprendizado.
O que preciso desenvolver nesse aluno? A gente manda o filho para escola para
que eles aprendam. Ela, por princípio, é um centro de saber.
UOL Educação: De que forma os pais podem ajudar neste
processo?
Jaime Zorzi: O que ajuda muito é o valor
que os pais dão para escola, para a educação. Essa valorização do conhecimento
já é de uma grande ajuda. Com isso, uma cultura de respeito e admiração para
"o aprender" é criada e estimulada.
Outra ação importante
é disciplinar os filhos para que eles façam suas atividades escolares e
incentivar a leitura, mesmo que os pais não tenham um nível de alfabetização
tão bom. Posso ser um pai que pratica esporte muito mal, mas nada me impede de
incentivar meu filho e que ele jogue muito bem.
UOL Educação: Uma das metas do Plano Nacional de
Educação é "Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º
ano do Ensino Fundamental". O senhor acha coerente essa meta? Há idade
certa para aprender a ler e escrever?
Jaime Zorzi: Não há
uma idade certa, a gente vê que a prender a ler e escrever é mais uma
oportunidade do que idade. Vemos crianças que vivem o dia a dia de quem lê
e escreve que com 5 ou 6 anos estão escrevendo de forma interessante. As que
não têm acesso a isso acabam começando mais tarde.
Já em relação à meta
do PNE, acho três anos para alfabetizar muito tempo. São 200 dias por ano na
escola, cerca de 4 a 5 horas por dia para aprender escrever.fonte:uol
FRACASSO NA ALFABETIZACAO É CULPA DA ESCOLA E NÃO DO ALUNO, DIZ PESQUISADOR
Reviewed by Jorge Schalgter Leal
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